Jesus Crucificado: O Farisaísmo no Movimento Espírita
O farisaísmo espírita é uma realidade sutil, mas extremamente corrosiva. Ele se oculta atrás de reuniões organizadas, discursos eloquentes e eventos beneficentes que não conseguem tocar a alma. Nesse contexto, Yeshua é novamente crucificado — não por falta de conhecimento, mas por vaidade e pelo medo da verdade que exige renúncia, revisão e autenticidade.
Introdução
As palavras de Yeshua em Mateus 23:13 ecoam como um manifesto moral e ético: “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que fechais aos homens o reino dos céus; e nem vós entrais, nem deixais entrar aos que estão entrando.” Esta passagem nos leva a uma reflexão profunda sobre a realidade do movimento espírita contemporâneo, onde a essência do evangelho se perde em formalismos e protocolos.
Se Yeshua surgisse nos dias de hoje, provavelmente seria cancelado nas redes sociais e nas instituições religiosas, incluindo os centros espíritas. A prática do estudo se tornou um formalismo, o acolhimento virou protocolo e a espontaneidade dos gestos cotidianos se perdeu. Sua presença desafiadora incomodaria não apenas os sistemas religiosos e políticos, mas também aqueles que, em nome da espiritualidade, se afastaram da simplicidade e coerência que o evangelho propõe: “Amai uns aos outros como eu vos amei.”
A Proposta de Kardec
Allan Kardec, ao codificar o Espiritismo, não tinha a intenção de criar mais uma estrutura religiosa, mas de oferecer uma ferramenta de esclarecimento e transformação moral. Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, ele destaca que “reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que faz para domar suas más inclinações.” Esta proposta demanda coragem, lucidez e ação — não apenas estudo ou discurso. Causa estranheza ouvir a afirmativa comum entre os espíritas: “Falta estudar o Espiritismo!” como se o conhecimento teórico garantisse automaticamente a coerência e a ética na vivência espiritual.
A grande maioria dos desvios não resulta apenas da ignorância, mas do ambiente acadêmico espírita, onde o saber se transforma em palanque e o conhecimento doutrinário, em instrumento de vaidade. O estudo, que deveria ser um espelho da vivência espiritual, tornou-se uma armadura que protege a superficialidade. O evangelho é frequentemente citado, mas raramente vivido.
Farisaísmo e Vaidade Espiritual
É comum ver a postura de homens de pouca fé que se glorificam diante de Deus, dizendo: “Eis-me aqui, Senhor. Vosso servo fiel, bem sabeis — ainda que dita no inconsciente — que não sou como esses publicanos.” Essa atitude revela traços de um comportamento que se perpetuam ao longo da jornada espiritual, abrigando-se em estruturas que preferem a aparência ao conteúdo. A disputa por liderança no movimento espírita cria sacerdotes que priorizam títulos em vez de temas desafiadores.
Na tribuna, ao invés da coragem do profeta, a vaidade do doutor se ergue. O público se contenta com aplausos, enquanto o expositor busca reconhecimento. A distância entre o expositor e a plateia aumenta, resultando em um público que sai sem reflexão ou motivação para um despertar ético. Enquanto pães e peixes saciavam multidões sem distinção no passado, hoje, as ações assistenciais do movimento espírita continuam, mas a distância entre as classes sociais se naturaliza, eclipsando o verdadeiro espírito de caridade.
O Farisaísmo no Movimento Espírita
O farisaísmo não é um fenômeno do passado, mas uma realidade presente que se disfarça de zelo doutrinário e autoridade moral. No movimento espírita, ele se manifesta quando o estudo se transforma em ritual, o acolhimento em protocolo e a caridade em evento. Há uma crescente preocupação com a forma e a aparência de espiritualidade, enquanto a essência da doutrina, que é científica, filosófica e moral, é gradualmente esquecida.
Yeshua, em sua essência humana, denunciou os fariseus por limparem o exterior do copo enquanto o interior permanecia impuro. Atualmente, muitos centros espíritas repetem esse padrão, priorizando a imagem pública e a estrutura organizacional, mas negligenciando o compromisso íntimo com a reforma moral e com o Evangelho Redivivo.
A fé raciocinada proposta por Kardec tem sido substituída por uma fé protocolar, onde o estudo é mecânico e a prática é condicionada por conveniências. O verdadeiro espírita é aquele que se aprofunda nos estudos, pesquisa, observa, renova-se e debate, mantendo sempre o respeito às diferenças, especialmente no contexto social e familiar.
Espiritismo em Risco
Kardec já alertava para os riscos da institucionalização do Espiritismo, enfatizando que o movimento deveria permanecer livre, simples e comprometido com a verdade, sem se contaminar pelos vícios das religiões tradicionais. Ele advertiu: “Por isso mesmo, constantemente procuramos, e com todas as nossas forças, afastar os espíritas do propósito de fundarem prematuramente qualquer instituição especial com base na Doutrina.”
Quando o Espiritismo se afasta da humildade e da coerência, aproxima-se do erro que Yeshua combateu. O farisaísmo é sutil, mas corrosivo, e se esconde atrás de reuniões organizadas e discursos eloquentes, enquanto Yeshua é crucificado novamente, não por ignorância, mas por vaidade e pelo medo da verdade.
O movimento espírita, apesar de suas contradições desde a época de Kardec, nasceu como um espaço de acolhimento e transformação moral. Quando vivido plenamente, pode unir razão e sentimento, estudo e prática, fé e ação. Contudo, ao se distanciar dessa essência, torna-se apenas mais uma estrutura religiosa, repleta de ritos e aparências.
Encerramento
Como advertiu Yeshua: “Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?” O inferno físico já não nos assombra, mas a animosidade moral, alimentada por vaidades e incoerências, ainda arde em nossas atitudes e escolhas. A nós, espíritas que defendemos a fé raciocinada, cabe a pergunta: seremos capazes de escapar dos erros que ele denunciou, ou seremos os novos fariseus, vestidos de espíritas?
Resta a advertência do discípulo: “E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.”
Sobre o termo “teoprático”: é uma construção conceitual que une a ideia de conhecimento divino com a prática ética, propondo uma espiritualidade vivida, onde a fé se traduz em ações conscientes e transformadoras, simbolizando a união entre saber espiritual e coerência existencial.
Fontes:
- Bíblia Sagrada. Evangelho de Mateus, Capítulo 23, versículos 13 e 33.
- Allan Kardec. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XVII, Item 4.
- Allan Kardec. O Livro dos Médiuns, Cap. XX, Item 230.
- Allan Kardec. Obras Póstumas.
- Bíblia Sagrada. Epístola de Tiago, Capítulo 1, versículo 22.
