A Incompatibilidade entre a Crença em um Deus Amoroso e a Aleatoriedade
É comum que as pessoas ignorem a existência de múltiplas concepções sobre Deus e o que se pode esperar Dele. Por exemplo, podemos nos referir ao Deus do Antigo Testamento, que aceitava o princípio do “olho por olho”, e ao Deus do Novo Testamento, que elevou a mensagem ao comando de “ame seu inimigo”. Neste contexto, o Deus mencionado neste ensaio é o Deus do Novo Testamento, que a partir daqui será simplesmente chamado de Deus.
Geralmente, Deus é visto como uma figura masculina, e por isso, utilizarei os pronomes Ele e Dele quando necessário. Como uma feminista de longa data, sinto que tenho o direito de usar essa suposição convencional sem me considerar parte de uma mentalidade opressora ou machista. Espero que não tenha perdido nenhum leitor até aqui.
O Amor de Deus e a Expectativa de Compaixão
Nos é ensinado que Deus é capaz de desaprovar o pecado, mas não o pecador. Além disso, acreditamos que nada acontece sem o conhecimento de Deus. Ele também espera que perdoemos as ofensas até setenta vezes sete (7 x 70 = 490). Essa é uma clara referência à prática da compaixão como um hábito, e não simplesmente uma contagem de ofensas até que se chegue a um limite em que se considera aceitável não perdoar mais. Portanto, é lógico esperar que um Deus que possui amor infinito também exerça cuidado e atenção, como qualquer pai adequado na Terra faria.
Dessa forma, eventos aleatórios que afetam a vida de pessoas aleatoriamente contradizem a ideia de um Deus amoroso. Como um ser amoroso permitiria que as pessoas sofressem por acaso, nascendo em circunstâncias difíceis por mero acaso, e assim por diante? Essa realidade não faz sentido.
A Visão de um Deus Indiferente
Por outro lado, se a ideia de um Deus indiferente se encaixa melhor na sua concepção de Deus, pode-se considerar que Ele não está prestando atenção. Adicionalmente, um Deus irascível, propenso à vingança — como alguns poderiam descrever o Deus do Antigo Testamento — poderia facilmente estar punindo alguém por algo que fez ou deixou de fazer. Vale lembrar que nem todos os eventos infelizes provêm Dele. A maioria das coisas indesejáveis em nossas vidas é resultado de nossas próprias ações ou omissões. Ao investigar as causas de suas desgraças, frequentemente você descobrirá que criou as circunstâncias que levaram a elas.
Os 10-15% de eventos que parecem acontecer sem a sua contribuição, o que chamamos de “aleatoriedade”, para um crente em um Deus amoroso, foram permitidos por Ele e podem ser atribuídos a Ele. É importante esclarecer que não me refiro ao agente das aflições em si, mas sim às aflições como um todo.
A Dificuldade de Justificar o Sofrimento
Sem dúvida, o exercício de atribuir aflições aparentemente aleatórias a um Deus amoroso é dificultado pela descrença na reencarnação e na existência de vidas passadas e futuras. O mistério de por que coisas boas e ruins acontecem a pessoas que não merecem se torna mais complicado quando temos apenas uma vida terrena seguida de uma eternidade no além. Pessoalmente, admiro o trabalho do falecido Dr. Ian Stevenson e me convenço de que os centenas de casos descritos em seus livros são evidências suficientes da reencarnação. No entanto, ninguém pode convencer outra pessoa; essa é uma tarefa solitária e pessoal.
Como mencionei, a tarefa de conciliar eventos “aleatórios” com a existência de um Deus amoroso torna-se ainda mais desafiadora na ausência de crença (ou consciência) da reencarnação — o que não significa que seja impossível.
A Filosofia Espírita e a Reconciliação Entre Razão e Fé
A Filosofia Espírita foi projetada para ser uma combinação compatível de razão e fé. Sei que os céticos dirão que isso é impossível, mas eles vêm de um paradigma antigo que visa controlar aqueles que optam por ter uma “fé cega” na religião, espiritualidade ou ciência, e colocam esses grupos distintos uns contra os outros para distrair e limitar o crescimento pessoal. Dito isso, racionalmente, não se abandona uma explicação por nenhuma explicação.
Proponho que a reencarnação pode e de fato explica a razão para os eventos aparentemente aleatórios nas vidas das pessoas. Reconheço que nem todos aceitarão esse conceito. Desafie sua consciência e crença: você está fazendo uma afirmação firme que descarta uma mentalidade racional/analítica apenas com base em “o que parece certo” para você ou em noções preconcebidas do que é ou não possível? Questione tudo, mas a partir de um lugar de honestidade intelectual e coragem.
A aleatoriedade é incompatível com um Deus amoroso.