O Fenômeno dos “Donos” de Centros Espíritas
A discussão sobre a figura dos “donos” de centros espíritas é um tema que merece atenção especial dentro do movimento espírita. O fenômeno, que se refere à tendência de algumas pessoas em se apropriar da liderança e da administração de instituições espíritas, traz à tona questões fundamentais sobre a organização e a essência do espiritismo como proposto por Allan Kardec.
Desafios da Liderança no Espiritismo
Um dos principais problemas enfrentados nas instituições espíritas é a dualidade entre a falta de organização e o excesso de controle. Enquanto a ausência de estrutura pode levar à desordem, o autoritarismo pode surgir em ambientes onde há um controle excessivo. Isso se torna ainda mais complicado quando consideramos a questão da continuidade do trabalho em um centro espírita, que muitas vezes é influenciada pela herança de fundadores ou antigos dirigentes.
A Influência da Hierarquia Religiosa
A postura de “herança” que muitos centros espíritas apresentam pode ser atribuída a uma série de fatores históricos e humanos. Muitos dos atuais dirigentes foram formados em contextos religiosos onde a autoridade era centralizada, como em igrejas tradicionais, onde padres e pastores exercem forte controle. Essa dinâmica se reflete na forma como alguns se posicionam dentro dos centros espíritas, assumindo papéis de poder que vão contra a proposta de igualdade e fraternidade pregada por Kardec.
O Personalismo e Seus Efeitos
No cenário atual, o personalismo se destaca como um reflexo do clericalismo que Kardec buscou erradicar. Instituições que deveriam ser espaços de acolhimento e aprendizado se transformam em extensões do ego de alguns dirigentes. Essa situação cria um ambiente que, em vez de ser comunitário e solidário, se torna um palco para a afirmação pessoal de indivíduos que, muitas vezes, confundem disciplina com autoritarismo.
Consequências do Conservadorismo
Essa forma de liderança gera resistência à inovação e ao debate de ideias, afastando novos trabalhadores que poderiam contribuir para a renovação e o fortalecimento dos centros. Um exemplo emblemático dessa situação ocorreu entre 1962 e 1995, quando a União Espírita Mineira manteve uma presidência por mais de três décadas, demonstrando como a falta de mudanças pode levar à estagnação.
Propostas para a Transformação
É urgente que os centros espíritas adotem uma organização mais democrática e disciplinada, que permita a erradicação dos “feudos pessoais”. As instituições devem se preparar para formar novos dirigentes, promovendo um ambiente colaborativo onde as lideranças não sejam permanentes, mas sim transitórias. Isso é fundamental para evitar a criação de vínculos eclesiásticos que freiam o crescimento coletivo.
Experiência Pessoal
Quando assumi a direção de um centro espírita fundado por meus pais, fui alertado sobre a tradição de “herdeiro”. No entanto, desde o início, deixei claro que a gestão seria feita de forma colegiada, com a figura do presidente servindo apenas para questões administrativas. Essa mudança de paradigma é necessária para que o centro seja visto como uma escola do espírito, que prepara novos líderes para o futuro.
A Visão de Herculano Pires
Para reforçar a importância de uma gestão adequada nos centros espíritas, é válido citar Herculano Pires, que afirmou que um centro bem dirigido é um espaço onde as vozes dos espíritos e dos homens ressoam em diálogo. Ele enfatizou que aqueles que deturpam a finalidade do centro perdem a oportunidade de se elevar a uma visão superior da vida. Portanto, é imprescindível que cada frequentador compreenda sua responsabilidade em ajudar a missão superior do centro.
Conclusão
A reflexão sobre o fenômeno dos “donos” de centros espíritas é crucial para o fortalecimento do movimento. A adoção de práticas mais democráticas e inclusivas, bem como a formação de novos líderes, são passos essenciais para garantir que as instituições espíritas cumpram sua verdadeira missão: preparar os homens para um mundo melhor. Somente assim poderemos superar os desafios impostos pela centralização de poder e criar espaços verdadeiramente fraternais e colaborativos.
Referências:
Kardec, A. (1964). “Revue Spirite”. Trad. Julio Abreu Filho. Supervisão de J. Herculano Pires. São Paulo: Edicel.
Pires, J. H. (1992). “O Centro Espírita”. Cap. XII. No Centro do Mundo. 4. Ed. São Paulo: LAKE.
