Generalizações Indevidas de Fatos Científicos no Espiritismo

Generalizações Indevidas de Fatos Científicos

A ciência é um campo que busca compreender fenômenos através de investigações que seguem critérios rigorosos de validade e confiabilidade. No entanto, a facilidade de acesso à informação e a demanda crescente por respostas rápidas têm levado a interpretações simplificadas e, em muitos casos, equivocadas dos resultados de pesquisas científicas. Quando os achados são utilizados fora de seu contexto original, surgem generalizações que carecem do respaldo metodológico necessário, legitimando convicções pessoais e interesses particulares, o que compromete a integridade do discurso científico.

A tendência de resumir dados complexos em mensagens simplistas, que chamam a atenção, é uma característica da cultura contemporânea. Nela, a velocidade da informação muitas vezes se sobrepõe à qualidade do conteúdo. Essa redução dos resultados de estudos a afirmações unidimensionais desvirtua o caráter investigativo da ciência e pode levar a interpretações errôneas, especialmente quando conclusões de pesquisas observacionais são extraídas sem considerar as variáveis intervenientes e limitações metodológicas.

Essa prática é recorrente em diversas áreas do conhecimento, desde a saúde até as ciências sociais, reforçando ideias preestabelecidas e polarizando debates públicos, o que dificulta a construção de consensos baseados em evidências. No âmbito do espiritismo, esse fenômeno também é observado, especialmente quando descobertas científicas são divulgadas de forma parcial para validar crenças ou fortalecer a identidade do movimento.

Um exemplo emblemático ocorreu em relação à dissertação de mestrado de um pesquisador que investigou os efeitos da imposição de mãos em camundongos, concluindo que havia alterações fisiológicas decorrentes desse ato. Apesar de o estudo indicar possíveis benefícios terapêuticos, ele não analisou especificamente a prática do passe espírita, nem tinha como objetivo comprovar a eficácia dessa técnica no contexto doutrinário. Contudo, diversos grupos espíritas interpretaram de maneira equivocada essa pesquisa, alegando que a USP havia comprovado cientificamente os efeitos do passe, desconsiderando as limitações e o escopo real do trabalho.

É importante ressaltar que a aprovação de um trabalho de pesquisa por uma banca de mestrado ou doutorado não significa que a instituição promotora atesta a validade e veracidade do conteúdo. A responsabilidade da Instituição de Ensino Superior se restringe ao registro público das defesas que ocorrem em suas dependências. Embora a pesquisa em questão atraia a atenção de estudiosos espíritas e mereça ser analisada, há uma grande distância entre o objeto estudado e as notícias sensacionalistas que circulam sobre ela.

Recentemente, uma pesquisa realizada por um médico analisou diferenças genéticas entre supostos médiuns e não-médiuns, sugerindo que podem existir aspectos biológicos associados àqueles que alegam participar de fenômenos mediúnicos. No entanto, a pesquisa não afirma que a mediunidade é geneticamente determinada, nem exclui a influência de outros fatores materiais nos resultados encontrados. Apesar disso, meios de comunicação espíritas divulgaram que a ciência havia comprovado que a mediunidade depende de uma condição orgânica, criando uma narrativa simplista que não reflete o rigor metodológico adotado no estudo.

É fundamental que haja clareza na apresentação dos limites das investigações, reconhecimento das incertezas inerentes ao processo científico e uso de uma linguagem que preserve a complexidade dos dados. Como mencionado por um assessor de ciência e pesquisa da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, esse tipo de trabalho “não confirma nenhuma especificidade ou especialidade da glândula pineal com relação à mediunidade”, um tópico de discussão recorrente no movimento espírita.

A educação científica, tanto em ambientes acadêmicos quanto em locais menos familiarizados com as questões metodológicas, é crucial para a formação de uma sociedade crítica, capaz de discernir entre uma ciência robusta e discursos pseudocientíficos. O compromisso com a transparência, ética e rigor metodológico deve guiar não apenas a produção científica, mas também sua divulgação, a fim de preservar a credibilidade da ciência e fomentar um debate público esclarecido. Dessa forma, é possível contribuir para a construção de um ambiente de conhecimento sólido e transformador.

Referências

  • Oliveira, R.M.J. (2003). “Avaliação de efeitos da prática de impostação de mãos sobre os sistemas hematológico e imunológico de camundongos machos”. Disponível em: https://teses.usp.br
  • Gattaz, W. F. et al. (2025). “Candidate Genes Related to Spiritual Mediumship: A Whole Exome Sequencing Analysis of Highly Gifted Mediums”. Disponível em: https://www.bjp.org.br
  • Fonseca, A. F. (2025) “Genes da mediunidade: cautela na forma como divulgar”. Revista Digital Dirigente Espírita. USE. Ed. 205. mar/abr, p.24-25
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