Revisão de Vida: Uma Omissão no Espiritismo?
“Em algum lugar do meu inconsciente existe um Gravador não julgador que percebe e compreende com amor, mesmo quando eu (conscientemente) não faço isso.” Charlotte Guest
Essa observação é intrigante. Nenhuma das ciências como Psicologia, Psiquiatria ou Neurologia fez menção à existência de uma unidade de memória recuperável no subconsciente humano. Essa citação surgiu como uma frase de efeito em um relatório publicado sobre uma experiência que não envolveu morte iminente. Refere-se à experiência de uma rápida revisão da vida, onde as memórias e eventos da vida de uma pessoa são revisitados. Essa revisão pode ser cronológica, mas na maioria das vezes é uma apresentação panorâmica ou em 3D de imagens arquivadas no subconsciente.
Relatos de revisões de vida são um elemento comum nas Experiências de Quase-Morte (EQM) descritas por milhares de pessoas ao redor do mundo. Surpreendentemente, esse fenômeno não foi abordado nas obras fundamentais do pensamento espírita, o que é especialmente confuso, dado o foco intenso sobre a vida do espírito tanto enquanto encarnado quanto desencarnado. Isso levanta a questão: por que isso ocorreu?
Um dos primeiros a relatar tal experiência foi o Almirante Francis Beaufort da Marinha Britânica, que escreveu: “Todo o período da minha existência parecia ser apresentado diante de mim em uma espécie de visão panorâmica.” Um exemplo de revisão de vida foi relatado pelo Dr. Jeffrey Long em um livro recente: “Entrei em um lugar escuro, sem nada ao meu redor, mas não fiquei com medo. Era realmente pacífico lá. Então, comecei a ver minha vida inteira se desenrolando diante de mim como um filme projetado em uma tela, da infância até a vida adulta. Era tão real! Eu estava olhando para mim mesmo, mas melhor do que um filme em 3D, pois também era capaz de sentir as emoções das pessoas com quem interagi ao longo dos anos. Eu podia sentir as boas e as más emoções que causei a elas.”
Outro relato interessante foi feito por Camille Flammarion em 1922, o mesmo cientista que fez o elogio no serviço memorial de Allan Kardec em 1869: “Durante essa queda, que dificilmente durou dois ou três segundos, toda a sua vida, desde a infância até sua carreira no exército, desenrolou-se claramente em sua mente: suas brincadeiras de menino, suas aulas, sua primeira comunhão, suas férias, seus diferentes estudos, seus exames, sua entrada em Saint-Cyr [academia militar] em 1848, sua vida com os dragoons [regimento], na guerra da Itália [1857], com os lanceros da Guarda Imperial, com os Spahis [cavalaria], com os atiradores no Castelo de Fontainebleau, os bailes da Imperatriz [Eugênia; esposa de Napoleão III] nas Tuileries, etc. Todo esse panorama lento se desenrolou diante de seus olhos em menos de quatro segundos, pois ele recuperou a consciência imediatamente.
Das cinco obras de Allan Kardec, “O Céu e o Inferno” (1865) é a que traz a revisão mais completa de mensagens mediúnicas relacionadas à passagem de um grande número de indivíduos, desde os mais espirituais até os mais ignóbeis. Em todos os casos, foram incentivados a descrever a experiência da morte e o que encontraram no além. Nenhum deles relatou algo próximo a uma revisão de vida. Da mesma forma, na vasta coleção de obras de André Luiz, ao longo de mais de vinte anos, a maioria delas abordando as experiências de retorno ao mundo espiritual, nenhuma mencionou um caso de revisão de vida. No entanto, Chico Xavier, através de quem André Luiz ditou seus livros, compartilhou em uma entrevista na televisão em meados da década de 1960 que ele teve uma revisão de vida quando o avião em que estava teve um problema mecânico e perdeu altitude rapidamente. A maior parte dos telespectadores e da comunidade espírita considerou isso apenas um evento interessante causado pelo pânico, um evento físico e nada mais.
O que devemos fazer com essa omissão tão marcante? Os relatos de EQM não podem ser desconsiderados, afinal, são apoiados por evidências robustas e um corpo crescente de pesquisas. Assim, somos levados a ponderar as possíveis razões:
- Seria a omissão das revisões de vida uma decisão dos mentores espirituais?
- Ou foi bloqueada pelo subconsciente dos médiuns, todos eles oriundos de uma cultura católica pesada?
- Ou foi considerada irrelevante na época e, portanto, reservada para tempos futuros?
- Ou, se olharmos para essas obras de uma perspectiva diferente, a informação transmitida era apenas o núcleo de um edifício que deve se erguer gradualmente à medida que as condições intelectuais da humanidade permitirem?
E se esse for o caso, estamos nós, que apreciamos suas luzes, dispostos a reconhecer a proposição de que o corpo de pensamentos espíritas está incompleto? Afinal, para um assunto tão complexo, pode ser nossa capacidade de refletir que deve ser valorizada, mesmo que não seja a compreensão. Este é um grande desafio de ideias e voltaremos a esse assunto em uma próxima oportunidade.
A Experiência da Revisão de Vida
Dr. Kenneth Ring
Bibliografia: Holden J. M., Guest C, (1990). Life-Review in a non NDE Episode, The Journal of Transpersonal Psychology, 1990, Vol. 22, No. 1. Stevenson I., William E. (1995) Involuntary Memories During Severe Physical Illness or Injury, The Journal of Nervous and Mental Diseases, vol. 183, No. 7. Long J. e Perry P. (2010) Evidence of the Afterlife: The Science of Near-Death Experiences, Harper & Collins, p 98. Flammarion, C. Death and Its Mystery, 1922.